No more Kegels, please… Just breathe!
Tenho que começar este texto com uma declaração de interesse. O Dr. Arnold Kegel foi um visionário nos anos 50 quando começou a estudar a importância do pavimento pélvico e do seu treino no tratamento de disfunções como a incontinência urinária. Foi um verdadeiro visionário e impulsionador da abordagem conservadora no tratamento da incontinência. E se muito do que estudou foi importante para compreender a importância do pavimento pélvico nas funções urinária, ano-rectal e sexual, muitas das recomendações de exercícios que lançou estão já completamente desajustadas à luz do que a ciência do exercício e a investigação mais recente suportam. O Dr. Arnold Kegel foi revolucionário. E por isso o nome dele continua muito associado aos “exercícios” e “Kegels” continua a ser uma das palavras mais utilizadas quando se faz referência aos Exercícios dos Músculos do Pavimento Pélvico. Nos dias de hoje o interesse pelos “Kegels”, ou por outras variantes do treino dos músculos do pavimento pélvico é enorme. Temos várias correntes de treino dos Músculos do Pavimento Pélvico, temos um sem fim de gadjets que ligados a apps nos ajudam nesse treino! Todos eles quando se apresentam falam das vantagem que o “treino” destes músculos tem para a prevenção e tratamento da incontinência urinária, de prolapsos dos órgãos pélvicos e efeito “cereja no topo do bolo” melhoram a sua vida sexual. Existe frequentemente a associação de músculos fortes à ausência de disfunção. As mulheres são incentivadas a fazê-los na gravidez, porque previne a Incontinência Urinária. São incentivadas a fazê-los no pós-parto porque previne e trata a Incontinência Urinária e ajuda a vagina a “voltar ao normal”. Mulheres e Homens fazem-nos porque lhes dizem que é uma forma de melhorar as performances sexuais. E com a quantidade de informação disponível, é muito frequente um novo ou nova utente chegar a uma primeira consulta de Fisioterapia do Pavimento Pélvico a dizer que já faz “Kegels” há algum tempo. Umas vezes porque leu algures online que devia. Outras vezes porque um profissional de saúde lhe “prescreveu” esse treino mesmo sem que uma avaliação por palpação tenha sido feita.
Ora aqui residem alguns problemas. Um: Nem toda a gente que decide começar a “treinar” os músculos do pavimento pélvico necessita de “treino” de fortalecimento dos músculos do pavimento pélvico. A maior parte das pessoas necessitaria de apreender a relaxar. Dois: A maior parte das pessoas, quando realiza uma contração sem supervisão e avaliação prévia após uma simples instrução verbal, não o faz corretamente, podendo mesmo realizar o movimento oposto.
Vivemos uma vida apressada. Corremos de casa para o trabalho, do trabalho para casa. Comemos a correr. Andamos sempre a correr. Não ouvimos os sinais que o nosso corpo nos vai dando ao longo do dia. Uma bexiga que dá sinal de estar cheia. Não. Primeiro o trabalho! Um intestino que dá sinal de quer esvaziar. Não. Aqui não dá jeito… quando chegar a casa! Muitos de nós temos este comportamento. Uns de forma inconsciente e outros mais consciente. Mas temos muita dificuldade em alterar este padrão. Esta inibição e/ou atraso constante do esvaziamento da bexiga ou intestino são conseguidas à custa de uma contração dos músculos do pavimentos pélvico. E a ansiedade e o stress que também condicionam de forma mais o menos constante a contração. Se imaginarmos o nosso cóccix, onde se inserem quase todos os músculos do pavimento pélvico, como a nossa cauda residual, e se pensarmos que tal como os nossos companheiros caninos reagimos ao stress e ao medo “metendo a cauda entre as pernas”… então é fácil perceber como pode uma vida agitada, stressante e ansiosa condicionar um aumento de tensão no pavimento pélvico, certo? É frequente termos pessoas com uma atividade muscular desnecessária e não intencional permanente. E depois de tudo isto… somos bombardeados que precisamos de treinar! Que temos de contrair! E treinamos! E contraímos! Não é isto tudo um contrassenso?
O resultado deste excesso de treino é um encurtamento da amplitude funcional do pavimento pélvico. Uma imagem que utilizo muitas vezes em consulta para explicar isto é, a de que um pavimento pélvico saudável, se fosse um elevador seria capaz de subir do piso 0 ao 4 andar, durante a contração e voltar ao piso 0 durante o relaxamento. Um pavimento pélvico encurtado fica preso ou num ou em dois pisos, vendo assim a sua amplitude de funcionamento disponível diminuída. Ora pensado em todas aquelas vantagens que se “vendem” com o treino intensivo destes músculos, todas as funções, urinária, ano-rectal e sexual, necessitam de uma amplitude total da estrutura pavimento pélvico disponível para que a sua funcionalidade se encontre presente. É fácil entender porque é que o excesso de treino e o encurtamento pode levar a vários problemas: uma uretra que não consegue encerrar totalmente porque os músculos estão encurtados ou então uma tensão muscular excessiva ser responsável pela diminuição do fluxo sanguíneo aos músculos responsáveis pela ereção no homem, ou um pubo retal que de tão tenso não permite a evacuação.
Por isso: Se tem algum sintoma que possa estar relacionado com a função dos músculos do seu pavimento pélvico como perdas de urina, perdas de gases, fezes, dificuldades em esvaziar a bexiga, obstipação, dor, alterações na função sexual; ou mesmo não tendo sintoma nenhum acha que precisa ou quer treinar os músculos do seu pavimento pélvico;
Se esteve grávida quer tenha tido uma cesariana ou um parto vaginal; Se está na menopausa; Se leu que estes exercícios facilitavam a capacidade de obter uma ereção ou no controle da ejaculação; Se acha que precisa de treinar os músculos do seu pavimento pélvico ou se quer treinar os músculos do seu pavimento pélvico apenas porque sim! Atenção!
Não o faça NUNCA sem primeiro perceber se o está a fazer corretamente. Fazê-lo corretamente implica ser capaz de contrair e relaxar e essa “competência” pode ser avaliada e ensinada! Procure um Fisioterapeuta Especialista em Pavimento Pélvico perto de si para o fazer. Existem inúmeros “protocolos” disponíveis online, mas cada pessoa é uma pessoa e cada caso é um caso e por isso cada um deve ser avaliado e o plano de treino, se for necessário, deve ser ajustado a cada um individualmente. Não existe “one size fits all” e qualquer protocolo que o indique está errado.
Enquanto não souber se precisa de “Kegels” … Pare e respire apenas. Fará bem ao seu pavimento pélvico!